O medo e a ansiedade fazem parte da rotina de João (nome fictício), de 30 anos, um motorista de ônibus que trabalha em uma empresa da Baixada Fluminense e é obrigado, no dia a dia, a respeitar as regras impostas por traficantes que ditam leis próprias nos territórios que controlam. Apaixonado pela profissão, ele nem pensa em largar o volante, mas vive aos sobressaltos.
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— Cada dia é uma surpresa. Depende do que os traficantes determinam — diz João, resignado.
A Transportes Flores, empresa que opera 56 linhas na Baixada, também teve que mudar estratégias. O gerente de planejamento e controle, Paulo Jerônimo, disse que foram retiradas todas as câmeras internas dos veículos da linha 496I (Santa Tereza x Pavuna) por determinação dos bandidos. Os ônibus da empresa são usados, frequentemente, como barricadas durante operações policiais nas comunidades de Belford Roxo. Três profissionais que atuam na região decidiram contar a sua rotina, com a condição de anonimato. Todos temem sofrer represálias.
— Comemoro como um dia de sorte quando a operação da Polícia Militar começa e eu já saí da comunidade. Quando os policiais chegam, os traficantes obrigam os motoristas a pararem os ônibus e atravessarem os veículos na rua para impedir o acesso do blindado da PM. Nós acabamos ficando no meio da troca de tiros — relata João.
Uma pesquisa realizada pela Transporte Flores mostrou que a violência é a principal preocupação de 71% dos motoristas que atuam no Grupo JAL. Metade deles teme pela própria vida ou da dos passageiros. De acordo com o levantamento, 51% dos entrevistados sentem que a sua vida e a das outras pessoas estão sempre em risco, sobretudo em vias, cruzamentos e bairros mais perigosos.
Motoristas já foram obrigados a se submeterem ao “pedágio do tráfico”. O ônibus é parado, com passageiros dentro, para que bandidos armados roubem óleo diesel do tanque. Em 2018, a empresa teve 5 mil litros de diesel roubados. No período, a linha 496I registrou 14 ocorrências envolvendo problemas com 31 ônibus.
Pesquisa revela pânico entre os profissionais
Outro profissional que convivem com o medo é Antônio (nome fictício), de 37 anos, pai de dois filhos pequenos. Entre os vários assaltos, nos quais aparece como vítima e testemunha, ele lembra ter presenciado um assassinato em um local da Baixada.
— Estava dentro do ônibus e fui obrigado a parar quando os bandidos renderam um motorista. Vi um dos assaltantes, que estava com um fuzil, atirar na vítima. Fiquei com muito medo de levar um tiro — conta Antônio, que, antes de trabalhar numa empresa de ônibus, Antônio era caminhoneiro e desistiu da função devido ao grande número de roubo de cargas.
O levantamento feito pela Flores ouviu ouviu 316 profissionais que atuam em sete dos municípios onde circulam ônibus do Grupo JAL: Duque de Caxias, Nilópolis, Belford Roxo, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Itaguaí e Rio de Janeiro. Metade deles têm medo de assaltos e 32%, de tiroteios. Além disso, 14% temem desvios de rotas forçados por criminosos ou que o veículo seja incendiado.
Com cinco anos de profissão, José (nome fictício), de 36 anos, tenta se acostumar à rotina de medo, mas tem sido difícil. Depois de trabalhar na linha 474 (Jacaré x Copacabana), onde ocorre grande número de assaltos e chegou a ser classificada como “inferno do Rio”, ele foi trabalhar na Baixada. Hoje, a reclamação é dos roubos a coletivo e também dos arrastões:
— O que mais temo hoje são os arrastões. Meu maior medo é levar uma bala perdida em um possível tiroteio.
Extra - RJ
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